( Homenagem a John Nash. Se o texto parece, de alguma
forma, ridicularizá-lo, MIL PERDÕES: definitivamente a intenção não foi esta! O
que tentei foi mostrar o que pode existir de tão interessante nos números e
suas propriedades. Talvez enxergando-os com outras características inusitadas,
sinestésicas, isto fique mais fácil... )
---------------------------------
Ele cultivava
números. Algarismos balançavam com leveza ao sabor do vento, cada dígito
concatenado ao seguinte para formar um número completo. Seus preferidos sempre
foram os da base decimal, embora gostasse particularmente da complexidade de
uns poucos hexadecimais e da simplicidade singela de alguns binários, crescendo
numa cadência lógica de zeros e uns. Mas grande parte dos números que cultivava
crescia na boa e velha base decimal...
O número
(357^29367 - 29^3221) era o que cultivava com mais atenção atualmente. Era um
híbrido promissor, uma combinação aritmética de quatro outros números
igualmente interessantes. Havia uma suspeita de primalidade, de que fosse
indivisível, e isto o levava a despender mais tempo de cálculo com ele do que
com os demais números de seu jardim numérico. Via seus dígitos se revelando dia
após dia, alimentados pelos seus cálculos, mas já havia aprendido a ser
paciente. O número surgiria com o tempo, aos poucos sua beleza apareceria em
toda completude e complexidade. Vislumbrou os algarismos mais significativos,
fatorou-os, dissecando assim suas notas aromáticas. Sim! Era bem parecido com
os fatores centrais do (25783! - 2^35)! Um dos números de melhor aroma que ele
havia cultivado até agora! Seria este superior em riqueza de fatores primos?
Não se realmente fosse primo, o que seria ainda melhor!
Mas logicamente
não eram estes números gigantescos os únicos que ele apreciava. Gostava dos
mais simples também! Mas particularmente dos ímpares! Os pares possuíam um odor
adocicado que, agradável em poucas doses, se tornava enjoativo em excesso. Apreciava
a simplicidade do 2, por exemplo, sua pureza de cheiro adocicado. Ainda mais
por ser o único número par que era primo! O número 65536, por exemplo, lhe
causava náuseas de tão adocicado. Multiplique a doçura do 2 por ele mesmo,
dezesseis vezes! Além disso, uma potência de 16? O número 2 multiplicado por
ele mesmo 4 vezes? E, pior, 4 vezes, um número também doce, dois vezes dois?
Eram pares demais para qualquer um suportar, este definitivamente era um número
que nunca faria parte do seu Jardim Numérico!
Após passar
algum tempo calculando o (357^29367 - 29^3221), interrompeu e começou a
calcular outros números em desenvolvimento no seu jardim. Sim, não era justo
gastar tempo de cálculo demais com este, apesar de já estar claro que era seu
predileto. Os números eram ciumentos! Especialmente os números primos, ou os
que mesmo não sendo apresentavam características muito fortes de sê-los! De
fato tinham razão para isto: eram mesmo especiais! Aroma forte, indivisível!
Impossível dissecar seu cheiro em notas mais simples! De fato grande parte dos
números que ele cultivava eram primos, mas haviam poucos outros interessantes,
alguns até mesmo pares, que ele fazia questão de manter em seu jardim por
outros motivos...
Apesar de ser
uma das formas mais importantes, fatorar as notas aromáticas de um número não é
a única maneira de apreciá-lo. Seqüências numéricas cuja soma reproduzia os
próprios números da seqüência concatenados em ordem crescente: como não admirar
este tipo de coisa? O problema é que, além de raros (ou exatamente POR ESTE
MOTIVO) exigiam mais tempo de cálculo para se desenvolverem do que os demais.
Como trevos de quatro folhas exigindo ser regados por litros e mais litros de
água para crescerem viçosos! Não valia a pena procurá-los, mas quando de
deparava com essas raridades por acaso a surpresa sempre era agradável!
Palíndromos
também o interessavam particularmente! Bem, um palíndromo qualquer é algo muito
fácil de se conseguir: tome qualquer número do jardim, concatene com o reverso
de seus dígitos, e eis aí seu palíndromo! O que ele buscava eram palíndromos
com características especiais. Palíndromos primos, por exemplo. O 101 era seu
xodó, primeiro representante desta família especial. Lógico que se
desconsiderarmos os primos de um único dígito, que também são palíndromos: 2,
3, 5 e 7. O 11 é simples demais, não conta. E todos os outros palíndromos de 2
dígitos são divisíveis por 11, por motivos óbvios... Mas o 101!!! Este número
tinha um lugar especial entre os seus preferidos! Mas que dizer então do
1.111.111.111.111.111.111 ? Representado em decimal, lógico! Palíndromo, primo,
e formado apenas de dígito um. Como não apreciar a beleza deste número que
crescia imponente em seu jardim ?
Começava a
entrar na parte dos números triangulares de seu jardim, quando vê ao longe os
dois odiosos homens de avental branco:
- Nash, é hora
de tomar seu remédio!
Bem agora que
ele distribuiria tempo de cálculo a seus números piramidais? A fragrância
incomparável de dizimas periódicas binárias com representação exata em sistema
decimal impregnavam suas narinas quando ele engoliu as pílulas amarelas das
mãos dos enfermeiros. Não adiantava mais só fingir que as engolia e cuspir
depois, os enfermeiros já haviam descoberto esta sua trapaça.
- Que caderno
é este que ele está...
Nash berra
insano quando o enfermeiro novato tenta puxar suas anotações, preenchidas com
infindáveis seqüências de dígitos.
- Calma aí,
novato! Não precisa tira isto dele, é inofensivo!
- O que é?
- Ele diz que
é seu "jardim". Vai entender esses malucos...
Nash abraça
com força seu jardim numérico contra o peito.
- Quem era
este infeliz?
- Respeito,
novato! Qualquer um está sujeito a isso! Dizem que, quando são, era um
matemático brilhante! Ninguém sabe ainda como este tipo de distúrbio começa...
As pílulas
começam a fazer efeito. Nash até já começava a apreciar esses momentos,
colocava-o em contato mais direto com seu mundo de números! Nestes momentos ele
podia, além de sentir o cheiro, também tocar e ver as cores dos números que
cultivava tão zelosamente! Abriu seu jardim na página do (357^29367 -
29^3221)... Que pena! Estava claro agora que não tinha nem a cor nem a textura
de um número primo. Mas parecia ter outras características inéditas, ainda
valia a pena regá-lo com mais tempo de cálculo para ver como se desenvolveria!
- Para mim,
qualquer um que goste de matemática definitivamente não pode mesmo ser
normal...
Fecharam a
porta do quarto de John Nash, abandonado em seus delírios. Sentou-se na cama, a
página de seu jardim aberto no 1.111.111.111.111.111.111 ... Que belo primo!!!
Que aroma, que simetria... E que cores impressionantes tinham seus milhares!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário