Calvin
definitivamente gostava de público! Poderia ser um astro do rock, na verdade
inúmeras vezes sonhou com isto! Mas percebeu rápido não possuir nenhuma vocação
musical para concretizar tal devaneio, e resolveu então se sobressair naquilo
em que realmente tinha certeza de que era muito bom: física teórica! Olhando
toda aquela gente em volta, e os equipamentos preparados para o experimento,
pensou: "nem tão teórica assim..."
Ele não era
tolo, havia repetido o experimento inúmeras vezes e SABIA que daria certo!
Primeiro com matéria inanimada, depois com frutas, vermes, insetos... E agora,
a prova final! Estudantes, professores, doutores... todos atentos, aguardando
ansiosos as explicações do astro principal!
- Senhoras,
senhores, senhoritas... A demonstração que vocês estão prestes a presenciar
aqui vai revolucionar de uma vez a exploração do universo pelo ser humano. Vai
abrir as portar do cosmos para a raça humana!
Susan chega
apressada ao anfiteatro. Não poderia de forma alguma perder aquele evento! A
apresentação formal do acelerador instantâneo de Calvin, aquela idéia que ela
própria havia presenciado nascer... Não se perdoaria se perdesse isto! Mas
estava muito preocupada: não havia encontrado Gigio, sua cobaia favorita!
- Há muito
tempo este limite parece nos atormentar: a velocidade da luz!
Percebe-se uma
comoção geral.
- Mas estamos
enxergando o problema do ângulo errado: este não é o verdadeiro limite!
Silêncio
geral.
- Na verdade,
uma conseqüência valiosa quando se chega próximo a esta barreira é a dilatação
do tempo! Quer dizer, viajando próximo da velocidade da luz uma nave se
dirigindo a Alfa Centauri demoraria sim, inquestionavelmente, no MÍNIMO uns 4,2
anos para chegar até lá. Mas isto do NOSSO ponto de vista! Dos que ficaram aqui
na terra observando a viagem! Para os tripulantes da nave, seria possível
acelerá-la a uma velocidade tão gigantesca a ponto de sentirem até que a viagem
durou dias, horas, minutos, segundos... ou foi até instantânea! Quem pode
afirmar qual o limite?
Um murmúrio
começa a se elevar entre a multidão. Calvin se sente um astro de rock aclamado
pelos seus fãs.
- O problema
todo não está em se chegar à velocidade da luz, mas em COMO se chegar. Por mais
que aperfeiçoássemos nossos propulsores, sempre estávamos limitados aos
fatídicos 9,8 m/s^2 de aceleração! Temos hoje capacidade de acelerar naves a
99,987% da velocidade da luz em segundos, mas estamos limitados a nos
arrastarmos pelo universo como lesmas por causa da maldita INÉRCIA!!
Uma comoção
geral começa a se espalhar pelos espectadores. Muitos esperançosos, outros
incrédulos, se perguntando: "certo, sabemos disso tudo! E o que este
maluco tem a oferecer?"
- Apresento
aqui a vocês meu Acelerador Instantâneo Não-Inercial!
Uma vozinha
tenta se elevar entre o murmurinho geral.
-
Anti-inercial? Isto não existe!!
- Quem disse
"anti-inercial", ilustríssimo energúmeno? Eu disse
"não-inercial"!! Não preciso ir contra algo que não existe. Não
preciso ser "anti" alguma coisa que não é...
Calvin retira
a toalha de cima de um objeto cúbico.
- GIGIO!! -
berra Susan.
- O que vou
demonstrar aqui, ao vivo, é um dispositivo capaz de levar esta ilustre cobaia a
um laboratório 1500
quilômetros daqui em frações de segundos, transmitir de
lá por teleconferência a sua chegada ileso e depois trazê-lo de volta na mesma
fração de segundo, intacto! Nem um único pelo do rato vai sair do lugar durante
a viagem. Aceleração instantânea, meus caros! Sem inércia!
O ódio que
Susan agora sentia de Calvin era indescritível! Rato?? Era isto mesmo que ele
havia dito? Com tantas cobaias para fazer a demonstração pública, para
satisfazer sua inflamada vaidade... por quê logo o Gigio?? Estava claro que era
uma provocação!
- Em quinze
segundos nosso bravo Gigio fará uma viagem de 1500 quilômetros
por um tubo reto abaixo do fundo do mar, um antigo acelerador linear já
desativado, e chegará num laboratório da Inglaterra em milésimos de segundo.
Sem mágica, sem teletransporte, ele simplesmente será ACELERADO até lá! O
veremos intacto e o traremos de volta tão rápido quanto se foi!
- Calvin! Vou
te matar!
Muito antes de
Susan terminar de pronunciar sua ameaça, um vídeo da faculdade de Londres
mostrava pelo telão o Gigio intacto em sua gaiola como se nada tivesse
acontecido.
- Aceleração
instantânea, meus caros! Mil e quinhentos quilômetros percorridos numa fração
de segundos!
Tão rápido
quanto se foi, a cobaia voltou. Susan já havia pulado no palco improvisado onde
Calvin apresentava seu espetáculo, inexplicavelmente furando a barreira de
seguranças forçudos. Tira Gigio de sua gaiola, intacto, e dá um sonoro tabefe
na cara de Calvin:
- Nunca mais
faça isto, idiota!
Tal era o
estado de graça em que
Calvin se encontrava que o tapa sonoro nem foi percebido por
ele. Agora se sentia Deus, autor de um milagre impossível, absorvendo a
adoração de fiéis daqui e de 1500 quilômetros de distância, ainda incapazes
de entender ao certo o que haviam acabado de presenciar.
Mas enfim saiu
de seu transe. Olhou bem para Susan. Confessou:
- Eu também
gosto do Gigio, Susan! Só fiz isto porque tinha CERTEZA ABSOLUTA de que daria
certo!
Susan olha
para Calvin, para Gigio intacto na palma da sua mão, para a platéia toda
ovacionando o ator principal. Sim, ele era brilhante! Estava no melhor momento
de sua vida. Que problema haveria? Susan achou que era o melhor momento de
revelar publicamente. Mas afinal, revelar o quê? A maioria dos que estavam lá
já sabiam, ou desconfiavam. O dia de glória de Calvin foi fechado com um beijo
de Susan digno de filmes de Hollywood.
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- Gata, não
sei se é uma boa idéia você ir...
Gata??? Que
linguajar era este? De que século da idade média ele havia tirado esta
expressão?
- Afinal, você
acredita ou não que seu acelerador funciona?
- Sim,
acredito! Mas para tão longe...
- Vou para a
Lua, dou um tchauzinho para o povo daqui, e volto! O que pode dar errado?
- É longe
demais!
- 300 quilômetros ,
300 mil... qual a diferença? Ao invés de um nanosegundo, vai levar um
milisegundo. O que pode dar errado em um milisegundo?
"Muita
coisa!", Calvin pensou. Mas ao mesmo tempo, não podia deixar de admirar a
coragem de Susan colocando-se ela mesma como cobaia!
- Mas sem
provisões, cilindros adicionais de oxigênio...
- Querido, vou
ficar 5 segundos na Lua, depois volto!
- E se algo
der errado?
- Estarei a 500 metros de uma base
permanente, saberei chegar lá. Mas... relaxa! Nada vai dar errado!
Calvin sabia
que era uma vingança dela. Na primeira experiência ele colocara Gigio, sem que
ela soubesse, em risco. Ela
queria dar o troco, e para isso se colocava ela própria em risco! Era
diferente, será que ela não entendia? Bom, a tempos Calvin já havia desistido
de tentar entender a cabeça das mulheres...
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Se a intenção
de Susan era se vingar, fazer Calvin sentir um pouco do que ela havia sentido
naquela primeira experiência... definitivamente ela havia conseguido! A pequena
cápsula estava pronta para a aceleração instantânea rumo à base humana
permanente na Lua. Viu Susan entrar na cápsula. Confiava no sucesso da experiência,
mas... por que Susan? Era um risco desnecessário! Nem era justo: ele de fato
não havia colocado Gigio em risco, pois experimentara antes com cenouras, maçãs,
minhocas, relógios, grilos, aranhas, baratas... não havia por que não funcionar
com Gigio. Mas mandar um humano logo de cara a uma viagem instantânea até a
Lua? Por que não testar antes com cachorros, chipanzés... ?
Seria a
primeira experiência de um ser orgânico a uma velocidade tão próxima à da luz.
A velocidade de 99,995% da luz seria atingida em milisegundos, a uma altitude
de 100 quilômetros
já livre de atmosfera. A aceleração seria interrompida neste exato ponto (algo
nunca tentado antes) e a cápsula prosseguiria nesta velocidade até estar aos
mesmos 100 quilômetros
de distância da Lua, quando seria desacelerada na mesma intensidade. A estadia
de Susan lá, correndo tudo como o planejado, seria breve, e imediatamente ela
faria o caminho inverso. Tudo bem planejado, mas o coração de Calvin parecia
querer saltar de seu peito.
- 10, 9, 8,
7...
Pensou: "por
que esta insistência irritante na contagem regressiva?"
- 4, 3, 2, 1,
avante!!
Ela não foi
longe. A 10
quilômetros de altitude, a cápsula e tudo o que havia
dentro dela, inclusive sua tripulante, se pulverizou numa chuva de átomos...
- Susan!!! -
Calvin berrava irracional, sabendo que ela não era mais capaz de ouvi-lo.
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Ela havia
assumido todo o risco, de forma que não daria para culpar Calvin de nada. Mas
ele se sentia culpado! Sua culpa era ter passado aquela falsa segurança. Falsa?
Sim, agora estava claro para ele o que havia dado errado. Por que ele não vira
isto antes?
- Cara, meus
pêsames! Nem sei o que te dizer...
- Burro!
Burro! Estava na cara! Só daria certo enquanto fosse testado aqui!
Ninguém ousava
invadir sua dor.
- A maçã
podre, ela era deslocada rápido demais! As moscas não conseguiam acompanhá-la!
Maçã podre?
Moscas? Pobre coitado, a dor da perda o havia enlouquecido...
- Mas enquanto
ficasse aqui, imerso na atmosfera, sempre haveriam outras moscas sobrando em
volta! Não precisavam ser as mesmas, contanto que outras estivessem sempre
disponíveis para ocupar as órbitas das antigas, vocês entendem? Mas no
espaço... é diferente!
- Calvin, se
acalme! Ninguém teve culpa disso!
- Foi toda
minha, cara! Como pude esquecer disso?
Nada havia a
ser dito para amenizar aquela fatalidade. Por hora, o melhor era deixar Calvin
extravasar.
- No vácuo é
diferente! Eu desloco os núcleos, mas não existe elétrons lá para compensar os
que foram deixados para trás, entendem? É vácuo, não existe NADA lá!! Antes os
átomos estavam próximos formando moléculas, os núcleos podiam permanecer
próximos uns dos outros porque havia uma nuvem de carga negativa neutralizando tudo.
Mas se eu desloco só os núcleos, deixando os elétrons para trás, já não tenho
equilíbrio! Tenho um aglomerado de núcleos positivos próximos demais sem uma
nuvem eletrônica contrabalançando as cargas. Eles vão se repelir! Se pulverizar
em núcleos individuais. Cargas iguais! Positivo com positivo se repele, gente!!
Foi isso que vimos! Ah, minha pobre Susan...
As lágrimas
rolavam abundantes da face de Calvin quando ele ouve a voz tão familiar:
- E você
acreditou mesmo que eu ia entrar naquela sua geringonça??
Nunca em sua
vida Calvin apreciou tanto estar errado!! Apertou Susan em seus braços,
ressurgida dos mortos, mais forte do que imaginava ser capaz de fazê-lo. Quase
a mata “de novo” outra vez, agora por asfixia.
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- Querido, eu
sabia que faltava alguma coisa, mas não conseguia imaginar o quê.
- E quis se
vingar, não é? Isso foi baixo, Susan! Muito baixo...
Gigio se
exercitava em sua roda. Ele buscava a gravidade 3g sempre, de qualquer jeito! Não
se sentia mais bem sendo leve...
- Então, de
volta às pesquisas em hipergravidade, não é? Sem esta maluquice de acelerador
instantâneo.
Idéias ainda fervilhavam
na cabeça de Calvin.
- Uma barreira
de vácuo? Quem poderia imaginar isto? Podemos nos mover instantaneamente para
qualquer lugar no planeta, mas se tentarmos atravessar uma região de vácuo, que
teoricamente seria a de menor obstáculo imaginável, estamos condenados a
fracassar. Não pode ser assim! Tem de haver uma saída...
Susan vê em
Calvin aquele olhar perdido, fixo em nada. Ela começa a tremer.
- Calvin! Pare
já, o que quer que você esteja pensando!
Era inútil.
Calvin simplesmente não podia controlar estes "transes".
- Qual era
mesmo o maior problema? Cargas positivas próximas demais, sem nuvem eletrônica
negativa contrabalançando-as... Deve existir um jeito de resolver isto!
Susan percebe
que o marido já não está mais neste mundo. Inútil interferir.
- E se... Sim,
pode dar certo! E se carregássemos os
nêutrons com cargas negativas só por um instante? Pelo menos enquanto durasse a
viagem interestelar, e podemos acelerar tanto a nave a ponto de reduzir
qualquer viagem de centenas de anos-luz a nanosegundos de duração para seus
tripulantes! Tudo depende do quão próximos cheguemos da velocidade da luz!
- Calvin, você
está começando a me assustar de novo! Pare agora mesmo com isto!!
- Imagina só,
Susan, se pudermos colocar cargas negativas nos nêutrons apenas durante os
nanosegundos em que durarem as viagens, e retirarmos deles esta carga assim que
chegarmos ao destino. Mesmo sem nuvem eletrônica, o núcleo permanece com carga elétrica
neutra durante a viagem! Não vai se repelir e pulverizar atomicamente no vácuo!
E chegando ao destino, após novamente neutralizarmos as cargas dos nêutrons,
certamente existirão elétrons na região destino para completar as nuvens
eletrônicas!
Rapidamente
Susan abre a gaiola, retira a cobaia de sua roda e corre até a porta do
laboratório:
- Calvin, este
é meu último aviso: nem ouse colocar cargas negativas nos nêutrons do Gigio!!!!
*** FIM ***
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