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25/09/2011
Mundos Ocos
O lago principal brilhava no centro da abóbada, bem acima de sua cabeça. Apesar da distância, ainda era possível vê-lo atrás daquela grossa camada de atmosfera apenas com tons mais levemente azulados. Seis canais caudalosos partiam radialmente deste lago, cada um fazendo com os vizinhos um ângulo de praticamente sessenta graus. Os canais se prolongavam, hora ou outra parcialmente ocultados pela densa vegetação, que era interrompida aqui e ali por pontos mais pálidos de aglomerados humanos, aldeias, vilas, ou cidades maiores. Com certa regularidade também partiam desses canais braços de água mais finos, correndo longitudinalmente para levar o líquido aos aglomerados mais isolados. Aquela distribuição radial dos canais não apenas parecia artificial: era artificial de fato! Também artificial era a presença de poucos morros pouco elevados, espaçados na calota esférica praticamente perfeita que se via à volta. As antigas elevações mais pronunciadas da cavidade foram reduzidas por precaução há algum tempo, numa tentativa de não afetar o delicado equilíbrio do sol central. A tragédia ocorrida na cavidade vizinha, que vitimou centenas de milhares de pessoas, não poderia se repetir!
Os canais continuavam se afastando até atingirem o máximo de SEPARAÇÃO numa região conhecida como "O Cinturão do Círculo Máximo", uma parede inclinada em ângulo reto do ponto de vista de onde ele agora obvervava a cavidade, abarcando com o olhar todo o seu mundo. Após o cinturão, os canais começavam a "descer" e se aproximar cada vez mais, até desembocarem todos no "Lago da Ilha". No centro deste lago, como era de se esperar, havia uma ilha (não me diga!!). Era do centro desta ilha que ele contemplava tudo isto. Estava na cidade de Shangri-Lá, capital daquela cavidade esférica.
Exatamente no meio do caminho entre o chão e o topo da abóbada estava o sol central, girando loucamente e mantendo assim ainda mais seu equilíbrio naquele ponto de equilíbrio instável onde se encontrava. Na cavidade em si não havia muito sentido em se falar de norte ou sul. O fato de todos localizarem a capital no sul e o lago principal no norte se baseava inteiramente no eixo de rotação deste sol, único ponto de referência que poderiam utilizar para utilizar tais coordenadas. Olhando para cima, via-se claramente o pólo sul de seu sol, que parecia girar em sentido horário.
Pólux precisava agora se dirigir ao Círculo Máximo, e tomar lá um dos ascensores até uma cavidade vizinha. Estando numa ilha, deveria tomar um barco? Não necessariamente, só se ele não estivesse com muita pressa. Não era o caso. Tomaria um teleférico, percorrendo a menor distância entre dois pontos: a linha reta! Topologistas da antiguidade não concordariam com isto, e diriam que o correto seria dizer que a menor distância era uma geodésica. Mas eles viviam num mundo diferente, convexo, e incapazes de perfurar o chão para abrir um caminho reto entre dois pontos da esfera de seus mundos, precisavam mesmo se conformar com a geodésica, mais comprida. Mas o mundo de Pólux era diferente, apenas o ar separava dois pontos quaisquer da superfície de sua cavidade. Nada mais natural do que esticar cabos de ligas de carbono entre vários pontos principais de seu mundo. E quanto mais distante, melhor: quanto maior a distância do meio do cabo até o solo, menor a força gravitacional. Mais o percurso perdia seu formato de catenária e se aproximava de uma reta. O único limite exigido era que sempre estivessem a uma distância segura do sol central, e isto ninguém era louco de desrespeitar. Não pelo calor, pois apesar de um pouco maior que no solo, especula-se que seria possível até mesmo tocar este sol sem riscos de queimadura. Evitava-se a aproximação para que em hipótese alguma seu equilíbrio fosse afetado!
Ao entrar no bonde que partia de uma das praias da ilha, começou a pensar. Seu povo já habitava aquele universo fechado a gerações incontáveis! Mesmo as antigas histórias contadas pelos anciões, nas quais Pólux acreditava sem questionar, começavam a chegar à cabeça das gerações mais novas como lendas antigas, sem fundamento científico. Sim, pois não dá para sustentar aquilo que não se pode provar! As leis da gravitação, por exemplo. Lendas antigas diziam que as pessoas viviam na superfície externa de esferas rochosas livres no vácuo, e que a gravitação mantinha estas rochas girando em órbitas estáveis ao redor de estrelas gigantescas. Como assim? Se todos nasciam vendo uma estrela central que deveria ter... Quanto? Quinze quilômetros de raio no máximo? Também diziam as lendas que os humanos da antiguidade viviam num mundo em que se alternavam hora períodos iluminados e hora períodos de trevas, dependendo se sua esfera rochosa, que girava, estava exposta ou não à estrela central. Como assim, período de trevas? O sol se apagava? Pólux até conseguia compreender que isto estava relacionado à rotação do mundo dos antigos, mas a idéia de períodos alternados de luz e trevas era inconcebível para grande parte da população. Isto tinha um nome... Qual era mesmo? Pólux tentou se lembrar. "DIA e NUIT, acho que era isso... só não lembro qual era o claro e qual o escuro..."
Vácuo... Está aí outra lenda antiga que nem Pólux, bastante instruído, conseguia compreender. Como uma região poderia conter "nada"? Nem atmosfera? A tendência do ar não é se expandir? Por que ele ficaria retido numa fina película em torno desses mundos rochosos, cercado de "nada" em toda a sua volta? Ah, claro! A atração gravitacional explicava isto. Uma grande massa de matéria tendia a atrair massas à sua volta, inclusive a atmosfera. Só que no mundo de Pólux esta idéia antiga precisava ser reformulada: era a ausência de matéria que REPELIA outras porções de matéria do seu centro, e por isso tudo permanecia "colado" às paredes da cavidade de seu mundo. No fundo até podiam ser explicações diferentes para o mesmo efeito: matéria atraindo matéria, ou ausência de matéria repelindo matéria. Mas definitivamente, no seu mundo côncavo a segunda idéia era muito mais fácil de aceitar! O sol central só permanecia estático no centro da cavidade porque era igualmente repelido em todas as direções, a força resultante era nula. Mas qualquer empurrão extra poderia fazê-lo despencar em algum lugar da cavidade. Eis o motivo do seu povo ser tão cuidadoso em não interferir no seu equilíbrio!
O teleférico chegou ao Círculo Máximo depois de uma viagem de cerca de duzentos quilômetros. Pólux relembrou com pesar da tragédia da cavidade vizinha, de como foram imprudentes em tentar atingir seu sol central com aeróstatos. Primeiro, desde sempre já se sabia impossível pousar nele: a força centrífuga criada naquela rotação altíssima impediria qualquer tentativa. Aterrissar num dos pólos então? Muito pior! Era o ponto mais sensível às interferências externas, um desequilíbrio total de sua estabilidade! O movimento de precessão se intensificou em minutos com aquele pouso mínimo. O eixo de rotação girou perigosamente em espirais cada vez maiores, como um pião desgovernado, até que deslocou o sol irreversivelmente do centro da cavidade. E haviam as gigantescas cordilheiras nas paredes da cavidade também. Talvez o sol até voltasse ao equilíbrio original se as paredes fossem mais perfeitamente esféricas, mas... O deslocamento do centro coincidiu com a direção de uma das maiores cordilheiras da cavidade. O sol começou a cair, parecia atraído pela massa de montanhas. Haveria então algum fundamento nas antigas histórias sobre atração gravitacional? Tanto faz. Saber disto ou não era irrelevante, a tragédia era irreversível! Todos foram dizimados. Na verdade, ninguém sabe disto, mas se supõe. Isto porque a via natural de comunicação entre as cavidades, uma caverna em meio às antigas rochas de seu universo que ligava as duas cavidades esféricas, foi fechada com a queda do sol. Transmissões quase inaudíveis de rádio atravessando camadas gigantescas de rocha indicavam que talvez houvesse sobreviventes, mas como atingi-los? Como resgatá-los? E, isolados, como sobreviriam naquela cavidade já sem um sol central fornecendo luz e calor? Isto já havia acontecido há quase um século, mas poderia ser esclarecido agora.
Século? Anos, dias, horas? De onde vinha esta estranha contagem de tempo, herança dos antigos que todos seguiam à risca? Bom, as instruções dos antigos para a construção dos pêndulos calibradores eram bem precisas: "Uma massa perfeitamente cúbica de irídio de dois palmos sagrados de lado deve ser presa na ponta de uma corda de comprimento exatamente igual à distância entre o olho esquerdo e a ponta do dedão direito da estátua do ídolo astronauta de platina que está no templo cósmico em Shangri-Lá. Prenda este pêndulo na abóbada central do templo e faça-o oscilar com uma amplitude pequena. Este será vosso Segundo! Sessenta desses serão Minutos, sessenta Minutos uma Hora! Vinte e quatro horas, um Dia. E 365.25 Dias um Ano; cem Anos vocês deverão denominar Séculos." Todos respeitavam, mesmo sem compreender tais números cabalísticos. Por que 60? Provavelmente pela gigantesca quantidade de divisores, a possibilidade de subdividir o tempo minimizando a probabilidade de se defrontar com dízimas. Mas e as 24 horas, ou, mais estranho ainda, 365.25 dias do ano? Os anciãos especulavam que devia ter alguma relação com a rotação e translação dos mundos convexos de onde vinham os que deixaram tais instruções, mas não havia como ter certeza disto.
A tecnologia das perfuratrizes se desenvolveu rápido em questão de décadas! 27 anos agora depois da primeira constatação de uma cavidade satélite. No caso da perfuração de canais entre as cavidades percebeu-se que nem sempre era possível criar um caminho reto. Vez ou outra se defrontavam com uma estranha matéria, de dureza inimaginável, incapaz de ser atravessada pelas brocas de diamante (material abundante no subsolo de seu mundo). No início a necessidade de desvios era freqüente, até que se aperfeiçoassem os sensores gravitacionais. Foi uma revolução, permitia planejar com antecedência uma perfuração reta até as cavidades satélites pela rota mais desobstruída possível, formada por rochas de fácil perfuração como granito ou sílica.
Os satélites descobertos eram sempre de dimensões pequenas. Era tão pouca a ausência de matéria proporcionada por seus raios que a baixa gravidade era característica comum neles. Sol central? Até o momento, nenhum havia sido descoberto em tais satélites minúsculos. Em algum uma leve fosforescência emanava das estranhas plantas que recobriam sua superfície, amenizando um pouco o completo breu. Mas sol central conhecido, apenas no mundo de Pólux, visto que o da vizinha havia sido destruído na catástrofe citada.
Pólux entrou no ascensor novo. Ascensor? Estranho denominá-lo assim, visto que ele iria descer. Bom, chamar de "descensor" seria bem estranho. E de fato ele alternava ambas as características: ele desceria, mas para chegar até onde agora estava ele precisou antes subir. Subir, descer... Pólux logo descobriria a imprecisão de tais termos. Mas entrou no ascensor, encontrando o velho amigo Cástor:
- Pólux! Vamos lá! Mal posso controlar a ansiedade e chegar logo!
Depois de anos de prática em atingir as cavidades satélites próximas, decidiram finalmente se aventurar à grande cavidade vizinha, vítima da tragédia ocorrida há quase um século! O ponto em que a primeira perfuratriz subiu à cavidade parecia isolada, mas luzes ao longe indicavam que alguma atividade continuava existindo lá, apesar do antigo cataclismo.
- É seguro? Tem atmosfera?
- Nenhum indício de descompressão quando a perfuratriz saiu da parede da cavidade! Alguns traços de hélio e xenônio a mais, mas totalmente inertes. Acreditamos que tem a ver com o colapso do sol central deles. Mas a diferença de pressão, por exemplo, não é significativa.
Começaram então a descida dentro da cápsula daquele novo ascensor. Sendo a primeira viagem logo após a abertura da passagem pela perfuratriz, ela aconteceria bem mais lenta que a dos ascensores comuns que levavam às cavidades satélites! Pólux e Cástor sentiam claramente a diminuição de seus pesos à medida que a cápsula entrava pela passagem cavada no tecido rochoso de seu universo.
- Cástor, sempre me pergunto: qual o tamanho de nosso universo?
- Como assim?
- Sei lá, acho estranha a idéia de uma quantidade infinita de rocha se espalhando em todas as direções, com cavidades isoladas aqui e ali...
Cástor se pôs pensativo. Sim, ele poderia revelar aquilo, estava certo de que Pólux era capaz de entender.
- Tem uma lenda transmitida pelos antigos a respeito de universos fechados. É difícil compreendê-la, envolve a aceitação de dimensões além daquelas observáveis... Nossos sábios estão trabalhando nestas questões. Mas, em resumo, elas dizem que nosso universo pode ser fechado. Que esta massa toda de rocha, embora não apresentando nenhum limite, tem volume finito, fecha-se sobre ela mesma.
- Quer dizer, se resolvermos avançar numa direção reta qualquer vamos sempre acabar chegando ao ponto de onde saímos?
- Isso mesmo! Admira-me a rapidez de sua conclusão! Inclusive já testamos esta hipótese: enviamos uma perfuratriz automática de pequena dimensão para tentar percorrer esta linha reta. Se os antigos estiverem certos, hora ou outra ela vai reaparecer na nossa cavidade, na parede oposta de onde ela saiu. Saberemos assim determinar qual é o tamanho de nosso universo.
- Nunca soube disto...
- Evitamos divulgar, afinal a grande maioria não compreenderia. Muitos até poderiam tentar vetar o experimento, julgando-o inútil...
- Entendo. Algum sinal de tal perfuratriz automática?
- Nenhum. Já deve estar a mais de 30 mil quilômetros de nós! Parece que, se o universo é fechado, deve ser bem maior do que imaginamos...
Agora um lampejo de compreensão brilhou na mente de Pólux. Relembrou as antigas aulas de geometria multidimensional, que ele sempre considerou inúteis, e de repente elas pareciam ser capazes de explicar uma realidade até então incompreendida: e se o universo tridimensional no qual viviam, cercado de rochas em todas as direções, fosse na verdade o exterior, a "superfície" de uma hiperesfera quadridimensional? Isto conciliaria, inclusive, a noção atual de repulsão gravitacional com a teoria da gravitação das lendas antigas, que Pólux evitava a todo custo desprezar. Num universo rochoso fechado, a aparente "repulsão" para as paredes da cavidade condizia perfeitamente com a atração gravitacional dos antigos: no universo fechado como um todo havia um pouco mais de matéria "puxando-o" para baixo do que para cima, onde havia uma cavidade puxando-o com menos força por estar preenchida de ar, uma matéria bem menos densa que as rochas e com capacidade de atração ínfima comparada a elas. Tudo parecia agora se encaixar...
A sensação de imponderabilidade se intensificava cada vez mais. Era evidente que eles ficavam cada vez mais leve, mas quando isto pararia? A lei era bem conhecida: à medida que nos aproximamos do sol central, o peso diminui linearmente de acordo com a sua distância do solo. Porém isto valia para o interior oco das cavidades, preenchidas de ar. No caso dos caminhos criados pelas perfuratrizes, cercada de inimaginável massa de rocha de seu Universo, a lei mudava: o peso diminuía mais rápido, proporcional ao quadrado da distância! Isto se você não estava se dirigindo a outra cavidade. Neste caso, a combinação da lei para ambas fazia isto acontecer mais rápido. E isto ficava evidente agora, quando Cástor e Pólux flutuavam sem peso dentro do ascensor. Se verificadas exatas as idéias sobre Universo Fechado, eles estavam agora num ponto bastante particular do mesmo: numa região em que toda a massa de seu universo os puxava com a mesma intensidade em todas as direções, dando aquela curiosa impressão de ausência de peso. Isto durou alguns minutos, mas foi desfeito em seguida. Lentamente Pólux começou a perceber que subia de novo, e perguntou ao amigo:
- Cástor, que aconteceu? Parece que estamos voltando. Estamos subindo, não é?
Cástor se divertia com a ingenuidade do amigo. Marinheiro de primeira viagem...
- Continuamos a caminho, Pólux! Ultrapassamos o ponto de equilíbrio gravitacional, e agora a força de repulsão de nossa cavidade vizinha começa a ficar mais intensa. Parece que estamos subindo agora, mas definitivamente continuamos viajando na mesma direção. Você não percebeu ainda que agora estamos no teto do ascensor?
Agora que Cástor mencionou o fato, ele se tornou evidente. Estavam agora no teto, e o peso aumentava cada vez mais.
- Que peso teremos lá?
- Quase o mesmo! Nossa vizinha era um pouco maior, mas nada que sejamos capazes de perceber.
- Gravidade maior? É por isto que no caso deles as instruções para construir o pêndulo calibrador exigiam uma corda um pouco maior.
- Provavelmente. Ainda não conseguimos descobrir direito como isto funciona. Mas parece que, gravidade maior, pêndulo maior. Nos nossos satélites pequenos, por exemplo, ficava bem claro que a oscilação dos pêndulos que trazíamos de nosso mundo era bem mais lenta.
A sensação de peso aumentava. A expectativa, igualmente! Existiriam sobreviventes, quase cem anos depois da tragédia? Estavam prestes a descobrir...
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Escuridão absoluta, silêncio total. Onde estavam as luzes mencionadas a princípio? Estariam os sobreviventes tentando se proteger, ao perceber que haviam sido "invadidos"? Saíram do ascensor, com a cúpula externa ainda improvisada. A atmosfera parecia ainda familiar. De fato, Cástor e Pólux não imaginavam mesmo serem capazes de perceber a pequena concentração excedente dos gases inertes.
- Que escuridão, Cástor! - e de repente veio à sua mente a antiga palavra "Nuit". Ah, agora se lembrava: era assim que os antigos denominavam aquele período de trevas!
Cástor ligou o holofote portátil, e tentaram se localizar. Nada, apenas vegetação selvagem. Vegetação? Estranho, mas as plantas (seriam mesmo plantas?) haviam se adaptado com uma rapidez incrível à falta de luz e calor do sol central para fotossintetizarem seu sustento. Do que viveriam agora naquele mundo de trevas? Bom, isto cabia agora aos biólogos pesquisarem.
- Que é aquilo?
Pontos voadores começaram a piscar em todas as direções. Vaga-lumes! Pelo menos vida animal primitiva havia sobrevivido então! Mas dificilmente eram estas as luzes que os robôs das perfuratrizes haviam mencionado. Eles tinham certa inteligência, e mencionaram claramente que as luzes vinham de pontos distantes da abóbada (por hora invisível, engolida pelas trevas), não podiam tê-las confundido com vaga-lumes. Cástor e Pólux estavam exaustos. Decidiram acampar ali mesmo, e continuarem a exploração depois de refeitos. Estranho, num mundo de dia eterno as pessoas permaneciam acordadas até a exaustão, e dormiam quando se sentiam esgotadas. Não havia hora certa para isto, e este ritmo biológico, particular de cada um, era uma das coisas mais respeitadas no mundo côncavo. Mas aquela escuridão toda, silêncio... De repente começou a fazer sentido as antigas lendas sobre a Nuit, o período de trevas que parecia sincronizar a vontade de dormir de toda a população de uma dada longitude da superfície externa das antigas esferas rochosas, rodopiando sem parar em torno de seus eixos de rotação...
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Uma luz branca de intensidade indescritível os despertou com violência. Nunca haviam presenciado uma luz branca natural, uma fonte emitindo com a mesma intensidade todas as faixas de freqüência do espectro visível! Seu sol central era alaranjado, e tão acostumados estavam com ele que o laranja sempre lhes pareceu branco. Por isso aquela luz lhes pareceu sobrenatural, revelando detalhes daquela cavidade, sempre considerada morta, em cores que eles nunca antes imaginavam que poderiam existir.
- Cástor, tira este holofote da minha cara! - queixa-se Pólux, ainda embriagado pelo sono.
Mas Cástor já está de pé, contemplando o fenômeno inexplicável.
- Acorda Pólux! Acorda, caramba! Você precisa ver isto!
Pólux abre os olhos, e se depara com a visão inexplicável de um sol central branco.
- Mas... Que significa isso tudo?
A visão era incompreensível! Olhavam para o centro da abóbada, para um estranho sol que não deveria estar a mais de uns trezentos quilômetro de distância, mas o fato era que... ele estava muito mais longe do que isto! Como era possível? Olhou em volta. A abóbada acima deles aparecia verdejante, iluminada pelo novo sol central. Um pouco acima da faixa de círculo máximo daquela cavidade estendia-se a ântica cordilheira. Uma enorme cratera a dividia em duas partes, e ao redor desta cratera uma mancha púrpura e cinza-grafite indicavam os restos despedaçados do antigo sol central, agora apagado para sempre e espalhado como um borrão escuro sobre a velha cordilheira. Definitivamente o antigo sol central não mais existia. Aquela luz branca tinha outra origem, que Cástor e Pólux não conseguiam ainda entender.
Olham com mais atenção o novo sol central. À medida que suas visões se aproximavam dele, tudo começava a escurecer. Uma aura negra rodeava o sol pálido. Como explicar aquilo tudo? Pólux se lembrou de lendas antigas. Os ancestrais que popularam aquele universo vinham de algum lugar onde as leis do universo pareciam ser completamente diferentes, não é mesmo? Mas como haviam chegado ali?
- Cástor, acho que nossos ancestrais chegaram por ali!
- Como?
- Não percebe? Este sol que vemos não está onde achamos que ele está!
- Pólux, o que está se passando nesta sua cabeça doida?
- Idéias antigas, Cástor! De dimensões adicionais reais, apesar de não observáveis...
Pólux se lembrou de antigas lendas sobre funis gravitacionais. Buracos negros, era este o nome? Ninguém sabia para onde levavam. Universos paralelos? Agora estava claro para Pólux: não levavam a universo paralelo algum! Na verdade, precisavam se curvar em alguma coisa, e o que acontecia parecia agora evidente: criavam microuniversos fechados! Uma estrela de nêutrons se colapsava pelo próprio peso, e se engolia dentro de um buraco negro. Para onde? Agora estava tudo claro: para lugar nenhum! Um microuniverso era criado dentro do universo principal, um apêndice pendurado ao espaço-tempo maior, e a massa comprimida de nêutrons encontrava novamente uma válvula de escape para se expandir de novo como matéria convencional, rochas, água, atmosfera... No processo de expansão, falhas eram possíveis, e era assim que apareciam cavidades vazias dentro do universo fechado criado dentro do buraco negro. Cavidades preenchidas por matéria mais tênue, gazes de nitrogênio, oxigênio... Mas agora estava claro: eles não estavam isolados! Sempre haveria um ponto, um contato com o universo principal. Cástor e Pólux estavam agora observando, através do buraco negro que criou seu Universo, o ponto de contato com um universo de dimensões nunca antes imaginada. Aquela estrela branca era a companheira maior daquela estrela de nêutrons que havia criado seu mundo, que era a "superfície" rochosa de um planeta hiperesférico de 100 mil quilômetros de raio. Certo dia, há incontáveis eras no passado, uma nave foi fisgada pela armadilha cósmica. Surpresos ao perceber que a gravidade incomensurável não os havia feito em pedaços, acreditavam agora estarem presos num estranho universo sem saída. Viveram da melhor forma possível, criaram uma população humana impensável neste microuniverso. Tentaram preservar sua ciência, mesmo sabendo que uma hora ou outra ela se deterioraria, degeneraria em lendas. Mas finalmente Cástor e Pólux viam uma saída daquela arapuca. Deveriam voltar e revelar a descoberta?
- Cástor, tenho medo do que possamos encontrar lá fora. Já imaginou o Vácuo? Lugar em que nada existe, nem o ár?
Cástor tremia dos pés à cabeça.
- Vamos firmar um pacto, tudo bem? Nada encontramos aqui, só um mundo despedaçado. Nenhum sobrevivente, portanto nem vale a pena voltar. Vamos recomendar até que o caminho seja fechado, para evitar que a atmosfera daqui contamine a atmosfera de nossa cavidade.
Pólux relutou muito, mas aquela idéia de vácuo, de nada... um universo preenchido com vazio... A humanidade ainda não estava preparada pala enfrentar isto.
- Você está certo, Cástor! E se isto que estamos vendo for mesmo uma passagem para um universo de vácuo, fico pensando o que impede que a atmosfera desta cavidade arruinada escape por ele. Vê o perigo? Uma hora ou outra o ar daqui vai acabar escapando por aquela passagem, a cavidade vai... – Pólux tremia ao imaginar esta possibilidade! – Ela vai despressurizar! Tem idéia do que seja isto, Cástor?
- Sim entendo! E o mesmo deve acontecer com qualquer outra cavidade conectada a esta aqui, não é mesmo? Por que estamos aqui perdendo tempo? Precisamos fechar esta passagem imediatamente!
Voltaram para o ascensor, com o pacto de silêncio selado até o fim de suas vidas. À medida em que desciam, iam fazendo o caminho acima deles desmoronar, selando de uma vez a passagem enquanto voltavam. Poderiam dizer a verdade, não é mesmo? Qualquer pessoa mais instruída concordaria com seus motivos. Ou manter a mentira combinada? Tanto faz. De um jeito ou outro, o mais importante agora era fechar esta conexão entre as duas cavidades.
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