Pesquisar este blog

03/01/2013

22/12/2012


    O aviso correu o mundo rápido naquele sábado, manhã de 22 de dezembro de 2012. Manhã? Não, talvez seja melhor dizer dia. DIA?? Dia em 50% do planeta. Nos outros 50% era noite. Bom, era manhã no Japão, para ser bem específico. Outros doze fusos ainda esperavam pelas suas meias-noites, a transição do dia 21 para o dia 22.

    Muitos acordaram com ressaca. bastante gente havia bebido todas tentando aproveitar os últimos momentos no planeta. Quando seria? Outra pergunta complicadíssima... Diziam que no dia 21. Mas dia 21 de qual fuso horário? Seria um apocalipse seletivo, vitimando cada um dos meridianos por hora há medida em que a Terra seguia em seu movimento de rotação? E para as nações que não seguiam o calendário gregoriano? Como elas calculariam o momento deste fim? Tantas perguntas, e tão pouco tempo para respondê-las...

    Ignorando tudo isto, o aviso era claro: a NASA, em conjunto com outros respeitáveis Institutos Astronômicos do mundo, previam uma rajada solar rápida, mas fatal, para as 8 horas, 12 minutos e 34 segundos do dia 22 de dezembro de 2012 no horário de Greenwich! Para que não houvesse dúvida alguma. Um horário da "bruxa verde", comum, igual, reconhecido por qualquer pessoa no mundo!

    "Será breve, mas fatal para quem estiver desprotegido!", alertava o aviso. "Se protejam! Tetos de concreto são seguros. Amianto, palha, papelão... estes não conseguirão barrar o suficiente estes raios gama! Não se exponham, não tentem observar o fenômeno! ISTO NÃO É UM TROTE!"

    O mundo leu aquilo em suas telas de computador, celular, tablet, alguns nos primeiros jornais das bancas mesmo. mas com desdém. Outro fim do mundo? Esperaram um em 1900... que não aconteceu! A passagem do Halley em 1910 inundaria o planeta com o venenoso gás cianogênio... Nada aconteceu! Houve novo tumulto em 1986 com a volta do cometa, que também não acabou com o mundo. O bug do ano 2000 prometia um caos generalizado nos sistemas de informática que, de novo, não ocorreu. Em 2001 (que, como toda pessoa mais esclarecida sabe, é o verdadeiro primeiro ano do século XXI) carregava um peso embasado por palavras em poemas de Nostradamus: "de 2000 não passaras!!". E passou de novo...

    Eis o mundo em 20 de dezembro de 2012. De novo! O fim da contagem do tempo num antigo calendário maia, que ninguém mais usava, era motivo de um novo instante demarcando nosso fim. Por que teve tanta repercussão? Bom, os maias foram uma civilização sábia, que alguns especulavam que se comunicavam diretamente com civilizações extraterrenas. Conheciam as distâncias dos planetas inobserváveis a olho nu com precisão: Urano, Netuno e Plutão! Plutão não é mais planeta? Ah, me desculpem... Os maias não sabiam disso ainda na época, mas de qualquer forma SABIAM a que distância o planetoide estava do sol. Tudo isso numa época em que as civilizações europeias mal haviam ainda inventado o ZERO! Um povo sábio assim devia saber do que estava falando, né!

    Sim, sabiam! E não tinham previsto nenhum fim do mundo! Dia 21/12/2012 era o fim do calendário deles, só isso! Algo equivalente ao nosso 31 de dezembro. Significava apenas que o dia seguinte seria primeiro de janeiro do ano atual MAIS UM. Mas interessava a muita gente espalhar este boato tolo, e uma "previsão" apoiada por "cálculos" de uma nação antiga tão sábia parecia o argumento perfeito!

    O fim do mundo não aconteceu. Muitos se agarraram à última "esperança" de que isto ainda aconteceria entre o último segundo das 23:59 de 21/12/2012 e a meia-noite de 22/12/2012. Esperança? Que palavra inadequada! Quem "anseia" pelo fim, pela destruição mundial? De qualquer forma, este anseio final se repetiu pelos 24 fusos do planeta. Cada fatia de gente esperando que o seu fuso fosse o previsto pelos maias, e que o fim aconteceria em SUA meia-noite do dia 22. Até se tornar dia 22 de dezembro no mundo inteiro, e o apocalipse não havia acontecido. Alívio? Sim, muita gente agradeceu aos céus pela nova chance. Alguns nem se surpreenderam: "não disse que era tudo besteira?" Alguns poucos, extremos, se decepcionaram. Ficaram indignados! "E agora? Me desfiz de tudo! Estou aqui neste abrigo idiota, vestindo esta capa de chumbo ridícula, pela qual paguei uma pequena fortuna! Acumulei dezenas de anos em mantimentos no meu bunker particular... para NADA??"

    Cientistas do mundo inteiro, usando o site da NASA pela credibilidade da Instituição, espalhava a notícia enfaticamente: "Simulamos o evento milhares de vezes nos nossos supercomputadores! Não existe chance de falha: a atividade solar acontecerá no dia, hora e minuto mencionados! NÃO SAIAM DE CASA! PROCUREM ABRIGO! Especialmente a parte do mundo exposta aos raios solares neste momento. NÃO É TROTE! VAI ACONTECER!", piscavam gigantescas letras vermelhas na página principal do site da NASA. E seguiam links para o mesmo aviso em todos os principais idiomas do mundo! Todos mesmo! Esperanto, latim, grego arcaico... até uma versão da página em Tupi-Guarani lá estava presente, para quem duvidasse de sua urgência e veracidade!

    O mundo estava desgastado com a última mentira. Circulava um comentário pela rede: "hehe, os hacker invadiram a NASA de novo! Olha só o que colocaram lá!", e seguia um link para o aviso. O efeito do alerta foi contrário ao esperado... Ninguém acreditou nele...

    Lembram daquela velha história do pastor e suas ovelhas? Que ele gritava "é o lobo! é o lobo!", e caía na gargalhada quando via todos se aproximando para ajudá-lo? Então... a história de certa forma se repetia. No dia, hora e segundo especificados, todos saíram de suas casas para observar o "fenômeno", rir dele. Pelo menos metade do mundo onde ainda era dia, onde os raios solares incidiam diretamente em vários ângulos, de acordo com o meridiano de seu observador. Irrelevante, a rajada fatal na maioria deles! Digamos... 99.6% da superfície diurna do planeta. Cerca de metade da humanidade? Errado de novo... Metade em SUPERFÍCIE planetária. Mas em pessoas? Sendo dia numa parte do mundo onde estavam presentes as populosas nações da Índia e da China? Não, era bem mais que a metade da população mundial que saía de suas casas esperando rir do novo "trote de fim do mundo".

    Porém... Ah, como dizer isto sem sentir dor pelas vidas perdidas? Coragem: ERA VERDADE! Um pulso repentino, rápido, de potentes raios gama vindos do sol dizimou uma grande parte das vidas expostas aos seus raios naquele exato momento! Durou frações de segundos: a simulação computacional era precisa! Bom, nem tanto: uma proteção básica sobre a cabeça, mesmo de amianto, palha ou madeira, seria suficiente para proteger seus ocupantes de maiores danos. Mas a exposição direta era fatal! E, infelizmente, uma enorme parte da população humana foi exposta a ela. Uma parte revoltada, indignada por uma nova "tentativa" de colocá-los no ridículo, expô-los a um trote de mal gosto. Eles queriam ver, não procuraram se proteger em sombra alguma. E seria tão fácil!

    O mundo do outro lado do planeta sobreviveu. Se um simples telhado de madeira era suficiente, que dizer do planeta inteiro, protegendo-os contra a estrela central? Dificuldades? Bem, a energia repentina causou sim uma leve descompressão entre as partes ocidentais e orientais dos hemisférios atmosféricos. Tufões, chuvas impossíveis de se prever... mas nada fatal! Por que aquela parte da humanidade (mais de 65%, eles agora contabilizavam) não haviam simplesmente se protegido em suas casas? Ou num toldo? Um ponto de ônibus? Uma oca? Uma simples capa de couro? MEU DEUS, qualquer lugar com sombra?? Mas não, estavam indignados! Queriam ver com os próprios olhos o despencar daquele novo boato. Ah, que tristeza... Desta vez não era boato...

    O sol, depois disso, continuaria estável por mais alguns milhões de anos no futuro. Os supercomputadores restantes na parte do mundo onde ainda era noite no instante do apocalipse garantiam isso! Ninguém mais duvidava deles. Ninguém ousava fazê-lo!

   Hora de esquecer, tocar pra frente. Temos metade do mundo quase deserto para ocupar. Enterrar os corpos, apagar incêndios! E as usinas nucleares na Rússia, Japão, Alemanha, etc...?  Alguém precisa correr até lá para desligá-las! Quem pode ter certeza se seus técnicos ainda estão vivos, ou se morreram naquele desafio irracional ao aviso da Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica?

    Lição aprendida! Não era tão difícil assim separar besteiras de avisos sérios, científicos! Não haviam técnicos nucleares entre os sobreviventes? Lógico que haviam! E, se precisassem de mais, de ajudantes, conhecer os processos das reações nucleares não era nenhuma coisa do outro mundo! Qualquer um poderia aprendê-las, e saberia desligar um reator quando o visse. Ninguém estava preparado para um novo anúncio de fim do mundo, resultado de simples desleixo...

    "É o lobo! É o Lobo!" Desta vez, era mesmo o lobo! Mas cansados de fazerem papel de tolos, ninguém acreditou...


Um comentário:

  1. Esse conto me lembrou Evangelion e Não Verás País Nenhum, sua escrita é parecida à do Ignácio de Loyola Brandão em alguns momentos!
    Senti tal nostalgia lendo este conto, isso me faz lembrar de quando a internet ainda não era tão difundida como hoje é, que o pessoal ainda interagia mais pessoalmente, sinto saudade desse tempo, senti um vibe webcore/internetcore bem ao estilo ENA!
    Adorei demais!

    ResponderExcluir