O apito do materializador de publicações soou exatamente às 6:30 da manhã, como acontecia todos os dias. Era sempre pontual, e exatamente por este motivo mesmo Jean nunca sentiu falta de um despertador. Naquele horário, todos os dias, um exemplar da última edição do jornal local se materializava no cilindro receptor, páginas de celulose preenchidas com pigmentos coloridos como se acabassem de sair da prensa. De segunda a sexta-feira o equipamento substituía com vantagens qualquer despertador. Mas num sábado de manhã?? Daria para desativar isto, desligar este apito nos fins de semana? Jean ainda não era muito familiarizado com detalhes dos mecanismos desses equipamentos modernos, mas Victor certamente poderia ajudá-lo nisso mais tarde.
Levantou-se da cama. Vagarosamente as lâmpadas elétricas de Edson sentiram o movimento, e os filamentos centrais dos bulbos começaram a aumentar de intensidade.
- James?
Não era tão rico assim a ponto de ter um mordomo particular humano. Mas, como a maioria das pessoas naquela época, existia um autômato mecânico sempre pronto para executar as tarefas simples do dia a dia. Era mudo, mas ouvia muito bem. "Melhor assim", era o que Jean sempre pensava ao lembrar disto.
A engenhoca mecânica, da altura de um criado mudo, surgiu carregando uma bandeja com o café da manhã recém preparado. Cada ponta firmemente segura por cada um dos quatro braços mecânicos. A xícara de café fumegante acabara de sair da cafeteira elétrica. As quatro torradas, a geléia de ameixa, torrões de açúcar, tudo ocupava uma distribuição geométricamente perfeita sobre a bandeja, precisamente posicionadas pelos braços mecânicos de James. Muitas vezes Jean se perguntou: o autômato pensaria? Teria algum tipo de consciência? Não, não... é apenas um autômato, feito por mãos humanas! Era ridícula esta tendência corrente de tentar humanizar máquinas. Mas que dizer das pesquisas mais recentes, de máquinas criando outras mais sofisticadas? Quem é criador de quem, nestes casos? Bom, isto é um problema para o futuro! Pondo os pés no chão, o importante é usar as máquinas da melhor forma possível, usá-las para nos facilitar a vida!
- James, meu jornal, por favor!
Por favor? Haveria mesmo necessidade de ser tão polido com uma máquina? James obedeceria de qualquer maneira, independente de como ele pedisse! "Traga-me o jornal!", ou "Jornal", ou "Vai imbecil, e me traz a porcaria do jornal!"... tanto faz, de qualquer forma que Jean falasse o autômato seguiria à risca suas ordens. Mas Jean fazia questão da polidez, e por isso sempre completava suas ordens com um "por favor", ainda que fosse para uma máquina. E se dentro de seus mecanismos mentais elas tramassem uma revolta, vingança contra os humanos opressores? Jean preferia não correr riscos, por isso sempre procurava tratar educadamente seu autômato, como se ele fosse mesmo de carne e osso. Por isso mesmo, ao receber o jornal da garra mecânica de um de seus quatro braços (os outros três eram suficientes para suportar a bandeja, visto que três pontos não colieares sempre determinam um plano) ele fez questão de completar:
- Muito obrigado, James!
Seria o autômato capaz de responder? Apesar de apreciar sua mudez, poderia ser uma boa experiência acoplar a ele um vocoder simples para ouvir suas respostas. Teria o autômato capacidade de cálculo suficiente para elaborar respostas, ainda que simples? Também questionaria Victor a respeito. Era muito bom ter um amigo especialistas em tais autômatos e calculadoras automáticas!
Jean começa a ler a primeira página enquanto James deposita a bandeja sobre o criado-mudo ao lado de sua cama (este sim, um objeto realmente inanimado!). "18 de maio", começa a ler. Mas era impossível não ler primeiro a manchete principal, em letras garrafais, que estava na boca de praticamente todos os habitantes do planeta (e até fora dele, nos pólos lunares):
"HALLEY ESTÁ PRÓXIMO!!!"
"Depois de quase duas décadas de preparativos, de cápsulas de materiais, equipamentos e recursos humanos sendo lançados da Lua e da mesosfera terrestre quase que diariamente, cientistas dos quatro cantos do planeta esperam ansiosos a conclusão de seu sonho mais desejado: o encontro com o famoso cometa! Foram anos e mais anos de lançamentos, milhares de toneladas de material e equipamentos enviados àquele ponto especial, aguardando a aproximação do tão esperado corpo celeste, fóssil vivo que muito tem a dizer sobre nossas origens. Fotografias recentemente vindas da Lua, proveniente de observatórios lunares, mostram [vide figura impressa abaixo] uma construção em forma de estrela de 15 pontas rodeada de um enxame de cápsulas transportadoras de materiais e equipamentos. O formato em estrela é útil para criar a pseudo-gravidade gerada pela força centrífuga da estrutura em rotação, importante para os atuais astronautas que aguardam a chegada do corpo celeste." (...)
James pulou detalhes posteriores. Todos fatos conhecidos, já lidos e relidos, não valia a pena rever: cerca de 120 humanos enviados em 35 cápsulas, mais umas 700 cápsulas de matéria-prima, biomassa, equipamentos e autômatos de suporte, ao longo destes quase vinte anos de lançamentos diários. As cápsulas que enviavam astronautas eram bem peculiares, obras-primas de engenharia. Inicialmente minúsculas, formato aerodinâmico ideal para sair da atmosfera, no vácuo elas se desdobravam como um origami sendo desfeito. Mas com uma diferença fundamental: elas não se tornavam uma folha plana, mas uma estrutura cada vez mais complexa. Ao fim, essas cápsulas de sobrevivência se reuniam naquela atual estrutura de estrela, onde agora habitava aquela massa humana que aguardava a chegada do Halley, daqui a poucas horas. Continuou a ler o artigo, num ponto que lhe pareceu bem mais interessante:
"Contato visual garante que tudo (exceto por lamentáveis baixas de 3 saudáveis aventureiros da 17a. cápsula de sobrevivência, vitimados por um lamentável acidente de despressurização) está correndo como o planejado. Escafandros de vácuo foram testados com sucesso em meio àquela região cercada do éter, e os astronautas conseguiram com sucesso orientar as cápsulas de materiais. Saudamos a bravura destes guerreiros que se aventuraram imersos no éter para garantir o sucesso desta nossa empreitada. O intervalo de comunicação atual é de pouco mais de 1 minutos, visto que se encontram a cerca de 60 vezes a distância da Terra até a Lua..."
- Jean! Jean! Já estou aqui embaixo. Venha aqui você, não vou subir! Estou com pressa!
Victor estava na portaria do arranha-céus. Com a impaciência de sempre...
- Acabei de acordar, Victor! Suba você! São seis e meia da madrugada, a apresentação da orquestra elétrica é meio-dia! Aquiete-se!!!
- Tão cedo?
- É, bem cedo! Já tomou seu desjejum? Suba e me acompanhe então!
Fez-se breve silêncio na concha acústica acoplada à parede. Enfim, uma resposta:
- Tudo bem. Me autorize então a subida.
Jean pressionou um botão do lado da cama, e introduziu numa fenda do transdutor um cartão perfurado rígido com estes caracteres sobrepostos aos furos: "Victor - amigo". Isto permitiria sua entrada livre, desde, claro, ele não tivesse esquecido mais uma vez seu cartão contra-chave...
(...)
Demorou algum tempo até Victor subir. Tempo suficiente para Jean terminar rápido seu café e esperá-lo na sala de estar do apartamento. Afinal, 634 andares não era algo assim tão rápido de se percorrer, mesmo dentro dos cilindros elevadores magnéticos. De repente, se lembrou: "Victor tem pavor de elevadores magnéticos!!" Nada a ver com claustrofobia, pois o amigo não tinha problema algum com lugares fechados. Bem poderia se arriscar na carreira de astronauta, pois o empecilho principal, aquele que cortava cerca de 96% dos candidatos, nele era inexistente. Ele não temia elevadores em geral, apenas os magnéticos! Uma coisa era subir e descer dentro de uma cápsula sustentada por cabos de aço; outra completamente diferente era entrar num cilindro no meio de um túnel vertical de ar, suspenso no eixo central deste túnel por nada mais além de um campo magnético móvel em torno de suas paredes magneto-indutoras! Vantagens? Diziam que sim, que isto permitia colocar mais de uma cápsula de elevação no mesmo poço (desde que, óbvio, se tomasse o cuidado delas não se chocarem entre si!) Nos atuais edifícios de 2000 andares era comum até 50 cápsulas ocuparem o mesmo poço, cada uma delas encarregada de servir uma região de 40 andares. Tudo bom e bonito, mas... flutuar quilômetros acima do solo, suspenso apenas por um campo de força invisível? Victor talvez nunca fosse capaz de superar esta fobia! Com toda certeza, o motivo de nunca escolher morar em apartamentos. Jean realmente se surpreendeu ao ouví-lo chamar à porta do apartamento.
- Entra, seja bem vindo, mas... que cara é esta?
Victor estava pálido. Era evidente o pavor que precisou superar.
- Me desculpe, Victor! Esqueci mesmo!
- Tudo bem, tudo bem! Uma hora ou outra preciso enfrentar isto.
Pega o jornal, deixado na mesa de centro da sala de estar.
- Ah, chegou a hora!
Os olhos brilhavam! Parecia ter esquecido totalmente a fobia, recentemente despertada.
- Sim, o cometa chega amanhã. O ponto mais próximo da Terra em que chegará desta vez.
- Onde nós chegamos, hein!!! - seus olhos miravam o vazio. - Onde eles estão esperando mesmo?
- Num ponto a cerca de uma 60 vezes... 58 e poucos, eu acho... Sim, umas 58 vezes a distância entre a Terra e a Lua.
- Onde chegamos... Quem Poderia imaginar isto no século passado?
Jean lembrou da recente virada de século, de todas as expectativas, planos futuristas... Que havia sido concretizado? Muita coisa sim, mas não como o imaginado. Mas muitas outras não. Marte, por exemplo, continuava inalcançável! Sem planos viáveis de atingí-lo. Mas a nossa Lua, ah!!! Que orgulho! Colônias lunares permanentes nos dois pólos de nosso satélite, observatórios de precisão inimaginável, livres de distorções atmosféricas. E viagens de ida e volta de frequência aceitável, praticamente dez por semana em todo o planeta! Óbvio que a idéia de lançadores de aeróstatos foi uma revolução: leve o lançador de seu foguete até uma altura de atmosfera bem rarefeia, cerca de 60, 70 quilômetros de altitude. A velocidade de escape diminui muito pouco, mas você eliminou uma parte importante do problema: a resistência do ár! E agora eles não precisavam ser lançados verticalmente, mas obliquamente numa órbita que se alongava cada vez mais. Que considerável economia de propelentes!!! Inúmeras cápsulas espaciais foram lançadas com sucesso desta altitude, com considerável economia de energia.
- Dá para imaginar que em fins dos anos 60 do século passado lançavam aqueles foguetes gigantescos da superfície, desperdiçando aquela quantidade absurda de propelentes? Sendo que a solução sempre esteve na cara...
James se aproximou com uma segunda bandeja mais completa. A primeira era para um desjejum de uma pessoa, então ele precisou improvisar. Se saiu muito bem!
- Às vezes fico pensando, Victor... quanto daquelas previsões de virada de século nós concretizamos, hein?
- Algumas coisas erraram feio, não é? Máquinas voadoras portáteis? Pílulas de comida? Teletransporte? E as viagens no tempo de H.G.Wells? Quanta ingenuidade...
- Mas, ao mesmo tempo, todas essas coisas impensáveis. Colonizar um cometa, por exemplo: quem imaginaria isto?
Victor pensou um pouco.
- Existiu um escritor, Julio Verne, que escreveu algo parecido com isso. Como era mesmo o nome do livro? "Heitor Servadac"? Realmente não lembro...
- Ah, eu li este livro! Encomendei uns meses atrás no materializador. Fantasioso demais, não é? Sobre um cometa que teria passado "de raspão" na Terra e levado com ele parte da Europa e do mediterrâneo, não é? A história prossegue com os "caronistas" descrevendo a viagem deles sobre o cometa até os confins do Sistema Solar. Impressionante esta imaginação, ainda mais considerando a época em que foi escrito! Mas, definitivamente, fantasioso...
- E não é quase a mesma coisa que estamos tentando fazer agora?
- Não, é bem diferente! Primeiro, não é um acidente. Nós estamos preparando este encontro há décadas! Todas as cápsulas já estão no local esperado, aguardando a aproximação do cometa para ocuparem seus lugares, tomarem sua carona pelo Sistema Solar!
- "Cosmonautas Caronistas"... Bom título, Jean!! Escreveria um conto de ficção científica com este título, se isto já não estivesse prester a virar realidade...
- Ainda tenho medo. Acha que pode dar certo, Victor? Um ato heróico, mas... tem chance de dar certo?
- Quê você teme?
- Tem o éter, por exemplo! Espaço sem matéria consistente, alguns começam a denominar de vácuo.
- Vácuo? Não, esquece! Por onde a luz se propaga? Pelo nada? Impossível! Existe o éter, matéria sutil, imponderável, mas... definitivamente ele existe!
- Certo, mas... ele não é respirável! Uma falha minúscula nas cápsulas e nossos heróis morrem despressurizados, pois eles não podem respirar éter. É seguro uma viagem desta, ainda mais durante cerca de 75.3 anos?
- Não temos as cidades submarinas, Jean? Cúpulas debaixo de mais de dez quilômetros de água, onde se vive à pressão convencional? No espaço precisamos manter uma única atmosfera confinada, e não aguentar a pressão de milhares de metros de água...
- Realmente, o problema é inverso: não precisamos aguentar 10 quilômetros de pressão dos oceanos, e sim SEGURAR a pressão de uma atmosfera das cápsulas ou cúpulas espaciais.
- Impedir de sair é mais fácil de segurar a entrada... Além disso já temos uns dez anos de experiência nas colônias lunares.
- Sim, mas... de onde tiramos o oxigênio?
- Nas cidades submarinas não tiramos da água? E na Lua, antes de descobrirmos aquele gelo todo nos pólos, as colônias não tiravam oxigênio até mesmo da poeira lunar?
- Mas no cometa...
- A única diferença é que lá ela não estará líquida! Basta derretê-lo! O que mais existe no Halley é gelo de água!
- E energia para isso? O cometa vai ficar bem longe do Sol, acho que seu afélio é além da órbita de Netuno. Nenhum espelho concentrador parabólico poderá resolver isto, por maior que seja!
Victor aponta um ponto específico da reportagem:
"A energia dos aventureiros, tão longe de nossa estrela central, será fornecida pelo recém descoberto Fogo Atômico, já em experiências bem sucedidas na Cidade Lunar Boreal. Parece ser uma fonte suficiente para suportar até a volta do cometa para as proximidades do nosso planeta, que deve acontecer a pouco mais de 75 anos..."
- Fogo Atômico? Já ouvi falar, mas... não sei muito bem o que é ainda.
- E aquela caixinha bonita cheia de botões ali no canto serve para quê? -lembra Victor, apontando um teclado no canto da sala de estar.
Jean pega a pequena caixa de madeira sobre a qual se vê teclas de marfim, com o alfabeto esparramado sobre cada uma delas. Escreve: "FOGO ATOMICO", e completa "DESCR RESUMIDA. ENVIAR PORTUGAL CIDADE 1345 EDIF 3422 APTO 634/5". A pergunta entra pela parede através do cabo conectado ao teclado. Em pouco tempo a questão se espalha pela rede telegráfica mundial solicitando uma resposta. Surge em poucos segundos: o apito do materializador de publicações avisa que era hora de sanar suas dúvidas!
- Deixe-me ver. - Jean retira uma página única do materializador, e começa a ler. - "Fogo Atômico: forma de energia descoberta a alguns anos por..." blablabla, blablabla... "Baseia-se em desestabilizar núcleos atômicos de grande massa bombordeando-os com projéteis iônicos desprovidos de nuvem eletrônica..." Ah, isto é interessante!! "Pesquisas recentes apontam grades de grafite como possíveis controladores da reação em cadeia iniciada pela técnica, que recentemente varreu a cidade de Moscou num cogumelo de energia nunca antes vista pela humanidade. Nossas homenagens a esses bravos pesquisadores que se foram de forma tão precoce, e pêsames aos familiares e conhecidos." Tenho medo disso, sabe? Usar algo assim, sem pesquisa... Parece precipitado!
- Não havia opção. E a chance era única. Se esta passasse, teríamos de esperar outros 76 anos para repetí-la. E Halley nem estaria tão perto como estará agora...
- Será que ainda estaremos vivos quando eles retornarem?
- Bom, nem serão eles mesmos que retornarão. Talvez alguns, bem idosos. Mas quem herdará as informações todas serão os descendentes desta colônia. Valerá a pela, disto não tenho dúvida! Já imaginou o que significa um observatório instalado num cometa periódico? Que conhecimento poderemos adquirir? Passar quase raspando Marte daqui a algum tempo, por exemplo. Valeria a pena deixar lá uma cápsula? Enviar alguns dos colonos para lá, tentar contactar os construtores daqueles canais gigantescos do planeta vermelho?
- São heróis, isto admito! Pensar que um pedaço de gelo e lama de cerca de 11 quilômetros será o lar onde viverão pelo que resta de suas vidas...
- Imagine então, Jean, as fotos fantásticas que eles conseguirão de Júpiter, Saturno, Urano... com sorte, também de Netuno! Todos parecem ter mais satélites do que aqueles que nossos telescópios podem captar. Mas tão próximo assim, quantas maravilhas nos aguardam?
- Trên quartos de século até voltarem. Não sei se estaremos aqui para ver o resultado...
- Alguém estará! Isto vai compensar todo o esforço!
(...)
Cansaram-se de tanto especular sobre o futuro. Jean coloca em seu fotofonógrafo uma gravação da Orquestra Elétrica que eles presenciariam daqui a poucas horas. Que som límpido!
- Isto foi um avanço, sem dúvida!
- Sim, nem me lembro mais daqueles fonógrafos antigos, aquela agulha arranhando os sons esculpidos na superfície dos discos. Lembra deles? Nem faz tanto tempo assim...
- Lógico que lembro! E dos arranhões, que coisa inconveniente! Você estava sentado em sua poltrona, apreciando a gravação favorita, e de repente é obrigado a se levantar e dar um peteleco na agulha, que insiste em repetir aquele trecho numa cacofonia insuportável... Era tão fácil resolver, não é? Era só fotografar o som...
- Sim, tudo se resolveria fotografando o som umas quarenta mil vezes por segundo. O problema todo era: como tornar o som visível? A membrana de ponto central fluorescente resolveu todo o problema. Podíamos agora "ver" o som, e podíamos fotografá-lo também!
As notas do primeiro movimento da Orquestra Elétrica saíam límpidas dos dois cones amplificadores do fotofonógrafo. Separados, davam uma boa sensação de profundidade. Era possível se determinar com exatidão de que direção vinha o som de cada um dos instrumentos daquela composição.
- Quando conseguirem colocar este som límpido nos nossos visores, será uma maravilha!
Observação inquestionável! A nitidez dos atuais visores era impressionante, as películas com quadros de imagens eram convenientemente compactas, e recentemente coloridas. Desde o princípio com capacidade de visualização tridimensional, simples questão de gravar duas imagens ligeiramente deslocadas, com desvio de paralaxe capaz de nos proporcionar a impressionante ilusão. Até algum tempo atrás visível apenas com óculos bicromáticos, recentemente alguns visores os dispensavam, desde que observado de pontos específicos à frente da tela. Mas aqueles visores de quadros de imagem em movimento ainda pecavam pela falta de som. Difícil registrá-lo nas películas fotográficas, sincronizar os quadros com as ranhuras dos discos antigos, mas agora, com esta técnica de fotofonógrafos... "Sim, agora dava para sincronizar as coisas! Registrar os fotogramas sonoros ao lado dos quadros de imagens.", Victor pensou. "Isto pode dar certo!"
(...)
Entraram no cilindro elevador. Victor tentou controlar sua fobia da suspensão magnética, mas seu temor era evidente quando ele cruzou as portas automáticas. Desceram os 634 andares até o subsolo, e depois pelas escadas até a garagem.
Lá estavam os dois Jetmóveis! O formato justificava o nome: aquele veículo prata alongado lembrava mesmo um foguete! Também a velocidade! Felizmente a uns quinze anos já havia sido abolida a absurda "Lei da Bandeira Vermelha", que obrigava sempre existir alguém correndo à frente dos veículos automóveis, avisando os pedestres de sua aproximação com uma bandeira vermelha balançando e uma corneta barulhenta tocando. Isto já era passado, os atuais veículos poderiam correr, desafiar suas capacidades.
Quando Jean aproxima-se de seu veículo, sons monotônicos alternadamente longos e curtos, intercalados pos pausas igualmente longas e curtas, começam a ser ouvidos num padrão característico. Jean se apressa, e retira do veículo uma caixa do tamanho de um grosso livro, com cerca de uns 5 ou 6 quilos. ".- .-.. --- .- .-.. --- .- .-.. ---". Ele levanta a caixa de madeira e gira uma chave central na posição de "RESPOSTA". Começa a pressionar um botão abaixo desta chave num padrão parecido como o primeiro. Era um telegrafista experiente, código morse era seu segundo alfabeto! É incrível a quantidade de informação que se pode trocar usando apenas um botão!!
- UAU! - Victor está impressionado. - Não sabia que você tinha um desses!
Ali estava, em suas mão, a última palavra em tecnologia: o Telégrafo Sem Fio! Criado em 17 de janeiro de 1909, pouco mais de um ano. Transmissão e recepção de mensagens por ondas de rádio, descoberta científica recente, ondas eletromagnéticas se propagando através do éter.
- Impressionante mesmo, Jean! Ondas eletromagnéticas... Se soubéssemos disso antes, poderíamos enviar para os caronistas do Halley também! Já pensou? Bem mais prático que a forma de contato visual de hoje, com telescópios aqui e lá tentando não perder o foco enquanto trocam mensagens morse luminosas. Posso ver?
Geradores químicos lhe proviam da energia necessária. Como imaginar há vinte anos atrás, em pleno século 19, que um dia seria possível conectar-se à Rede Telegráfica Mundial usando um aparelho sem fios, alimentado por uma dúzia de Pilhas de Volta, leve e portátil o bastante para você conseguir levá-lo no próprio automóvel para todos os lugares?
- Isso já transmite voz?
- Só código morse por enquanto. Suficiente, não é?
- Só se for para você... Não me chamo Victor Frankeinstein se não conseguir colocar som ou até mesmo imagens nesta coisa. Quem era?
- Michelle! Quer saber se podemos levá-la à apresentação da orquestra elétrica.
- No meu Jetmóvel não dá, apesar de que apreciaria muito a companhia. Estou levando esse gravador fotofonográfico no banco do carona. Não quero perder nem um segundo do espetáculo!
- Tudo bem, ela vem comigo. - começa a entrar novamente aquele padrão de apitos curtos e longos no botão do aparelho. - Mas preciso reabastecer de água antes, tudo bem?
- Certo! O meu já está abastecido. Se precisar de carvão pode tirar um pouco do meu, tem bastante no vagão de carga!
- Não, de carvão eu abasteci ontem a noite. Só vou precisar mesmo é de água...
- Então, tem um posto daqui a uns cinco quilômetros, no meio do caminho até o prédio da Michelle. Vamos ver quem chega primeiro?
Ambos pulam para dentro e giram ao mesmo tempo a manivela central de partida nos painéis de seus veículos a vapor. Se dirigem ao posto de abastecimento de água e carvão mais próximo, disputando em seus novíssimos veículos prateados um verdadeiro racha na impresionante velocidade que beirava os quarenta quilômetros por hora!!!
* FIM *
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