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03/05/2023

ESPECTROS

  Os primeiros fantasmas que criamos não pareciam nada inteligentes. De fato eram sombras dos robôs que já havíamos construído aqui no mundo físico. No começo era bem complicado mesmo construirmos máquinas etéreas muito complexas, capazes de processar informações no mesmo nível que nossos robôs materiais da época! Muitos dotados inclusive de inteligências artificiais, algo então complicado demais para ser reproduzido naquele primitivo mundo de objetos espirituais que havíamos acabado de descobrir!

Descobrir? Não, usei o termo errado! Descobrimos coisas que já existiam, mas que não havíamos notado antes. Não, nós não descobrimos o mundo etéreo, o mundo de coisas espirituais. Já que elas nunca haviam existido antes. Nós as inventamos. As criamos.

Praticamente toda religião do mundo fala sobre estas coisas. As coisas do espírito. O mundo intangível. O plano espiritual existindo em paralelo ao nosso plano de matéria, de mundo de átomos e moléculas, existindo sob a sombra das leis de causa e efeito já bem conhecidas por todos os pensadores, racionais. Espíritos, fantasmas, demônios... por algum tempo estas coisas todas não passavam de criações de nossa fértil imaginação. Produtos de nosso desejo de sermos algo a mais que este limitado mundo material. Idealizamos uma alma imortal capaz de sobreviver à nossa morte física por não nos conformarmos com este nosso limite, com o fato de que quando morre nosso corpo, nós deixamos de existir? E tentando criar um consolo pra este fim derradeiro, idealizamos um espírito imaterial, eterno e incorruptível capaz de sobreviver depois que nossa existência física se tornasse insustentável pelas fatídicas leis da termodinâmica, que a vida ousa tentar transgredir o máximo que puder ainda que sabendo ser esta uma luta com derrota certa?

Como disse antes, os primeiros fantasmas criados não eram nada inteligentes. Serviam às suas funções automáticas, de criar objetos etéreos, em linhas de produção de máquinas etéreas. Mas, afinal, pra que mesmo queríamos na época estas máquinas etéreas? A princípio para nada, como aconteceu praticamente com toda descoberta importante futuramente para a humanidade! 

A primeira dificuldade foi mesmo entender como funcionava a interação entre as máquinas etéreas e os corpos humanos reais. O cérebro humano já possuía a capacidade de sentir e captar este mundo etéreo, mesmo antes dele ter começado a existir. Para muitas pessoas esses sensores passavam a funcionar sem sentido algum, captando ruídos de um plano etéreo que ainda nem existia, causando transtornos incalculáveis em suas vidas. Mas uma vez sendo identificado que existia tal interação, e que estava presente em muita gente, pareceu uma enorme oportunidade de sintonizar estas pessoas com "poderes sobrenaturais", colocando-as em contato com computadores invisíveis e intangíveis capazes de fazê-las ter poderes sobrenaturais, capazes de processar informações vindas de uma fonte que ninguém era capaz de identificar de onde vinha.

Breve isto foi superado! Todo mundo acabou "descobrindo o truque", percebendo que as informações privilegiadas vinham de um mundo que já era acessível a quem quisesse. Não eram pessoas especiais. Qualquer um poderia construir seus próprios computadores etéreos se quisesse, e se conectar a eles. Isto ficava cada vez mais barato, e deixava de ser novidade.

Mas a ideia original permanecia!!! E se pudéssemos transpassar nossos limites orgânicos de existência? Deveríamos aceitar que nossa existência acaba mesmo ao cessar os processos de nosso físico, nossos neurônios? Ou poderíamos usar este mundo novo para tentar prolongar nossas existências? 

Os primeiros experimentos foram um fracasso. A complexidade de uma mente que construíamos durante toda uma vida numa rede neural fisio-química era algo inalcalçável aos processos de cópias cerebrais instantâneas! Perdíamos informações que não estavam lá, como elas eram agora, mas que dependiam da história toda até se chegar a ela. Isto não era conseguido num imediato! Como identificar quais partes do cérebro eram importantes, e quais não eram? O que precisava ser reproduzido na I.A. etérea, e o que era irrelevante? Quem decidia isto? 

Rápido perceberam que, se quisessem preservar a mente humana, alguma mente humana específica, não adiantava tentar fazer isto num determinado momento! Num instante específico! "Agora vou copiar o exato conteúdo de seu cérebro material num computador etéreo, onde vc passará a viver o resto de sua eternidade" Não dá. Não funciona deste jeito. O melhor que poderá ser feito é uma cópia razoavelmente boa de você, mas que de forma alguma será você!

Você não pode ser copiado num instante aleatório qualquer! Uma cópia sua não pode ser conseguida de uma hora para outra! Uma cópia sua precisa ser construída desde seu começo! Sua existência mental num cérebro material precisa ser copiada desde o começo de sua existência, para ter alguma chance de sucesso! É um processo! Não acontece de uma hora para a outra! Precisa ter uma história coerente, uma construção lógica! Ela só funciona se for indistingível de você! E isto só funciona quando nem você próprio for capaz de distinguir a diferença!

Os primeiros seres humanos com alma começam agora a serem gerados nos centros de reprodução e condicionamento! O que é afinal essa tal de alma? Um organismo etéreo. Um objeto composto de átomos de luz! O que são átomos de luz? O consenso comum há meio século atrás era de que a energia eletromagnética não podia ser contida. Fótons, os portadores do eletromagnetismo, só tendiam a se propagar. A se irradiarem em todas as direções aleatóriamente, sem formar estruturas estáveis. Até os físicos aprenderem a criar átomos de luz! A aprisionarem fótons em órbitas girando em torno de... nada! Órbitas ressonantes estáveis. A criarem coisas com campos eletromagnéticos, cristalizarem em formas algo que antes só costumavam ter a tentência de se propagarem, desfazer estruturas. Mas átomos de luz começaram a se agrupar em coisas, objetos! Mais objetos tetradimensionais que tridimensionais, mas, de qualquer fora, ERAM objetos estáveis! Independente de sua quantidade de dimensões. 

Estamos prestes a presenciar uma experiência incomparável na próxima geração humana! Veremos morrer materialmente os primeiros humanos impregnados no princípio de suas concepções com uma alma, um corpo etéreo, construídos com o único objetivo de copiar sua mente o mais fielmente possivel, a ponto de ser capaz de sobreviver a ela depois de seu fim físico, por um tempo a princípio indefinível. E quem é o indivíduo original? O material, que se desenvolveu e deixou de existir? Ou sua cópia etérea, que acompanhou seu desenvolvimento e sobreviveu à destruição de seu substrato material, se degradando rápido e rumando à inexistência? 


Um mundo espiritual? É, por um bom tempo isto não passou de imaginação, apesar de muita gente acreditar nele. Mas quantas outras coisas também não eram apenas imaginação antes? Vozes atravessando o planeta e conectando pessoas? Besteira!!! Até ser feito...  Veículos pesados atravessando o ár, levando pesoas de um lado ao outro dentro deles? Absurdo!! Projéteis contendo humanos em seus ventres, pousando na lua e em outros planetas do sistema solar? Fala sério! 


Um mundo espiritual onde cópias exatas das pessoas podem continuar vivendo eternamente depois de suas mortes físicas?  Então... Isto era besteira total também... 


Até resolvermos criarmos isto, pois parecia uma ideia bem interessante!!!  

  

 

MEGASSENCIENTES

As mensagens químicas iam e vinham, se difundindo brownianicamente ao longo das duas dimensões majoritárias daquela placa de Petri:

— Obviamente eles já perceberam a nossa presença, e os experimentos que fazem conosco há muito tempo é a maior prova de que isto é verdade.

Um murmurinho geral de aprovação na forma de compostos alcalinos de cálcio se espalhou por toda a área bidimensional daquela reunião.

— E agora vem a pergunta mais importante de todas: será que eles já perceberam que nós igualmente também já percebemos a presença deles?


Escherichia Coli sinalizou quimicamente, emitindo uma solução concentrada de ácido, que queria a palavra:

— Seres inteligentes formados de uma quantidade incontável de células individuais? Isso não faz sentido, pessoal!

Staphylococcus Aureus já esperava pela reação de incredulidade.

— Coli, entendemos sua reação. Mas comprovamos isto cientificamente! Não há dúvida alguma de que são inteligentes como nós!

— Mas... Um ser formado de incontáveis células? O que obriga estas células a fazerem parte de um megaorganismo, ao invés de viverem suas vidas individualmente? 

— Mistérios da evolução. A especialização lhes dá algumas vantagens. Elas aceitaram se especializar em funções bem específicas, e são recompensadas por isso pelo megaorganismo como um todo. Ainda estamos estudando como este processo funciona, mas não há dúvida alguma de que é bem eficiente.

— Não faz sentido para mim existir inteligência em uma megacolônia celular com estas dimensões! Como a informação se propaga há tempo de convergir em consciências? Isso não faz sentido nenhum pra mim! Não tem como um ser com essas dimensões ser inteligente! Impossível!!

Pseudomonas Aeruginosa logo difundiu sua mensagem química ácida em seu entorno, pois tinha parte da resposta:

— É lógico que eles têm uma percepção de tempo muito diferente da que nós temos. A consciência neles se organiza sim, mas tem muito mais tempo para fazer isto do que podemos imaginar. Eles são aquilo que costumamos pensar como infinitos, ou eternos... Embora não sejam as definições corretas, é só uma forma de os descrevermos com nossos conceitos limitados.

— Eles ainda não conseguiram entender nossas máquinas de RNA! — se adiantou Aureus. — Estão há tempos tentando compreender o mistério de suas existências. Não fazem a mínima ideia de que são projetadas! Muito menos de que somos nós que as projetamos. E isto é uma vantagem valiosa que precisamos usar contra eles!

— Chamam nossas máquinas de RNA de vírus, não?

— Isso mesmo, Aeruginosa! E simplesmente são incapazes de explicar de onde elas vieram. E essa é nossa vantagem!! Eles não sabem que já os percebemos, e que estamos reagindo contra suas presenças!

 

Uma solução salina geral foi difundida por toda aquela placa de Petri, todas as colônias comemorando sua nova arma. Afastando-se da ocular do microscópio, a cientista fungou forte novamente, praguejando:

 

  —  Ah não!!! Esta placa estragou de novo!!!

  

  Descartou a amostra, mas de forma muito displicente. Sem perceber, um novo vírus escapava daquela amostra. E desta vez possivelmente era um vírus, ou "máquina de RNA", como seus construtores gostavam de chamá-la, capaz de se aproveitar de uma fraqueza ainda nunca percebida na estrutura das células dos organismos humanos. Mais uma epidemia começava...  

  

  *** FIM ***